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Opinião: a medicina não foi pensada para o corpo feminino

Planejamento urbano, transporte público, design dos banheiros, e até mesmo a formulação de alguns remédios: nada disso foi planejado pensando nas mulheres.

Um exemplo simples e assustador: o corpo feminino costuma ter proporções menores e estatura mais baixa que o masculino, mas o cinto de segurança dos carros é projetado a partir de um biotipo masculino. Resultado? Mulheres ficam mais suscetíveis a sofrerem ferimentos graves em caso de acidente, mesmo com uso do cinto.

O dado vem de uma pesquisa divulgada pelo American Journal of Public Health, mas basta uma busca rápida no Google para ver a lista de discrepâncias crescer rapidinho. No caso do design dos carros, a justificativa apresentada é a de que existem mais motoristas homens do que motoristas mulheres.

Ainda que isso seja verdade, a negligência não se justifica. Exclusões como essa mostram não apenas que o mundo não foi feito para nós, mas que essas estruturas estão aí para garantir que sempre ficaremos de fora. “Mulher no volante, perigo constante” – não é assim que diz o ditado?

Sim, tudo isso é um problemão que vai muito além de segurança no trânsito. Porque quer dizer que o mundo não foi feito para metade da população no planeta Terra. E isso nos impacta em muitos níveis e em muitas esferas – a saúde é uma delas.

O viés do padrão masculino na medicina

Uma das verdades mais aceitas por aí, seja no senso comum ou no meio científico, é a de que existe uma diferença inata, essencial, biológica entre os sexos que vai além dos órgãos genitais. Essa diferença não seria apenas factual, mas representaria também uma hierarquia, onde o corpo masculino é o padrão e o corpo feminino é a forma desviante.

Até mesmo a anatomia da vulva reforça o argumento da inferioridade (para quem procura por ele, claro): é como se faltasse algo ali.

O viés do padrão masculino remonta pelo menos aos gregos antigos, quando Aristóteles deu início à tendência de ver o corpo feminino como um “corpo masculino mutilado”. A fêmea era o macho “virado de fora para dentro”. Os ovários eram considerados testículos femininos (e não receberam seu próprio nome até o século XVII!) e o útero seria o escroto das mulheres.

A razão pela qual eles estavam dentro do corpo em vez de pendurados seria por causa de uma deficiência feminina em “calor vital”. O corpo masculino era considerado um ideal que as mulheres não atingiram.

Quem conta essa história é a pesquisadora Caroline Criado Pérez em sua obra Invisible Women: Exposing Data Bias in a World Designed for Men (ainda sem tradução no Brasil), mas a ideia aparece também na introdução de O Segundo Sexo, da Simone de Beauvoir, até hoje uma das principais referências da filosofia para pensar a condição feminina.

(…) há um tipo humano que se define como absoluto que é o tipo masculino. A mulher tem ovários, um útero; eis as condições singulares que a encerram na sua subjetividade, diz-se de bom grado que ela pensa com suas glândulas. O homem esquece soberbamente que sua anatomia também comporta hormônios e testículos. Encara o corpo como uma relação direta e normal com o mundo, que acredita apreender na sua objetividade, ao passo que considera o corpo da mulher sobrecarregado por tudo o que o especifica: um obstáculo, uma prisão. ‘A fêmea é fêmea em virtude da carência de qualidades’, diz Aristóteles. ‘Devemos considerar o caráter das mulheres como sofrendo de uma certa deficiência natural.’

Mulher pensativa olhando pela janela

O resultado? Por anos, médicos foram educados seguindo a anatomia do homem como o padrão para todos os seus estudos e pesquisas.

E também eram eles, os homens, que ocupavam majoritariamente (e por muito tempo exclusivamente) os espaços em que a ciência e o conhecimento eram produzidos.

Só para você ter uma ideia, a Escola de Medicina de Harvard começou a admitir o ingresso de mulheres em 1945 – ou seja, menos de um século atrás. E se a realidade era, e ainda é, difícil para a categoria mulheres no sentido mais amplo, imagine só quando adicionamos outros marcadores de exclusão nessa equação, como raça e orientação sexual.

Aliás, já reparou que as cartilhas de prevenção de DSTs (doenças sexualmente transmissíveis) só falam de relações sexuais com penetração pênis-vagina?

Isso mostra que tudo aquilo que é considerado fora desse padrão normativo que tem o corpo (branco, cisgênero) masculino como referência é considerado “atípico” ou “anormal”, e também como algo que pode ser facilmente ignorado.

É daí que a medicina reprodutiva ou as políticas de saúde da mulher viram apenas um nicho, e não especialidades que fazem diferença para a sociedade como um todo. E o que é pior: informações científicas enviesadas acabam servindo de referência na tomada de decisões importantes.

Existem atualmente mais de 7,7 bilhões de pessoas no mundo, e mais da metade dessas são mulheres. No entanto, chefes de estado, membros do governo, entre outros representantes globais, quase sempre são homens. Por que o mundo e seus recursos ainda são administrados por homens? Por que carreiras importantes ainda são dominadas principalmente por homens?

Ah sim, por causa do padrão masculino (ai, ai).

O problema continua

Se você pensa que tudo que falamos nos parágrafos acima é coisa do século passado, pense de novo. Ainda nesta década, pesquisas clínicas ainda eram conduzidas principalmente (se não apenas) com homens.

Vale notar que minimizar a diferença entre os participantes dos estudos (por exemplo, avaliando somente os homens) torna os testes mais baratos, reduzindo a variação dos resultados e, consequentemente, o número de participantes necessários – embora isso leve a imprecisões para vários subgrupos importantes, como as mulheres.

Um artigo publicado na revista científica Scientific American em 2014 declarou que incluir ambos os sexos em experimentos era um desperdício de recursos. Os corpos femininos (tanto humanos quanto animais) são considerados muito complexos, muito variáveis, muito caros para serem testados.

Por conta disso, muitas vezes o diagnóstico e tratamento de corpos diferentes são feitos com base nos mesmos estudos.

Tem muito remédio que tomamos e muito tratamento que fazemos que simplesmente não foram testados para o corpo feminino. As dosagens são ajustadas para o tamanho do corpo — na prática, somos tratadas como “pequenos homens” – mas outras particularidades são completamente ignoradas.

No caso de alguns remédios isso não significa grande risco. Mas antipsicóticos, anti-histamínicos, antibióticos e medicamentos para o coração, por exemplo, são impactados sim pelo ciclo menstrual. Isso quer dizer que a dose ideal para homens pode ser muito baixa ou muito alta quando o corpo é feminino.

E a prova do perigo que isso é vem de um dado de 2005: 8 em cada 10 medicamentos prescritos foram retirados do mercado americano justamente por causa de problemas de saúde nas mulheres.

Essa recusa em olhar para o corpo feminino como um objeto de estudos relevante também atrasa várias descobertas importantes. Na história da anatomia sexual, por exemplo, o clitóris há muito foi desprezado e mal compreendido. Quando um médico francês dissecou este órgão pela primeira vez em 1545, ele o chamou de membre honteux – “o membro vergonhoso” – e declarou que seu único propósito era urinar.

O que é surpreendente é que, começando com os gregos antigos, a humanidade levou mais de 2.000 anos para desenvolver um conhecimento real da anatomia e função deste órgão do prazer – apesar de cerca da metade da população ter clitóris.

A sua saúde é sua

Mulher segura uma flor

Historicamente, o argumento usado para justificar a exclusão das pesquisas é que os corpos das mulheres, com seus hormônios flutuantes “atípicos”, são inconvenientes para as investigações. Tem quem tente justificar pela suposta dificuldade de recrutar mulheres para os estudos por causa da rotina atarefada envolvendo o cuidado da família.

De fato, o trabalho doméstico e o cuidado com os filhos funcionam como uma grande barreira de acesso para as mulheres, mas isso não deve servir como justificativa para negligência, e sim como argumento que mostra que algo precisa mudar na configuração social. Ou seja, o que nos falta não é intenção ou inteligência, mas sim oportunidade.

Prova disso é que se hoje podemos contestar os vieses da ciência com embasamento científico – como fazem pesquisadoras como Caroline Criado Pérez, que já citamos aqui, e tantas outras (inclusive na equipe da Oya!) – é porque, felizmente, o cenário está mudando. E a única forma de mudar ainda mais é com mais ciência, mais conhecimento e mais informação nas nossas mãos.

É importante dizer que quando falamos em mais conhecimento, não estamos falando apenas daquele produzido dentro das universidades. Queremos mais mulheres cientistas, claro, mas queremos também que toda mulher possa ter informação fácil e confiável a respeito do que acontece dentro do seu corpo.

É importante que a gente sempre questione, se informe e pesquise sobre tudo que envolve nossa saúde.

Só assim podemos tomar as melhores decisões para o nosso corpo e nosso futuro. Com isso, a Oya pode te ajudar. Se fertilidade é o que te interessa no momento, fique com a gente e aproveite para aprender mais sobre reserva ovariana!

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