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Ser uma mulher cirurgiã é…

No último ano passei por uma situação que, infelizmente, não é rara.

Imagino que você, mulher, também passou por isso na sua profissão, em algum momento da vida. 

O acompanhante de uma paciente com indicação cirúrgica trouxe, durante 40 minutos, questionamentos como:

“Quem é que vai operar, você mesma????? Sei….”

“Tem certeza que você, lá na hora da cirurgia, não prefere chamar seus colegas homens para fazer a cirurgia por você?”

“No site você parecia muito mais mulher, aqui, ao vivo, você tem cara de menina.”

“Quantas horas de cirurgia você já fez para poder operar?”

“Ahhh, mas esses 10 anos de formação e 5 de residência médica não dizem se você é boa, isso aí qualquer um tem. Quero saber se você banca mesmo a cirurgia sozinha.”

Eu sei, parece surreal. 

Eu sei, com certeza, que se fosse um colega homem, estes questionamentos não viriam, ou pelo menos não desta maneira. 

Eu sei, dá raiva, angústia, sensação de injustiça. Não foi a primeira vez que aconteceu comigo e com certeza não será a última. E, tenho certeza que você também já passou por alguma situação assim, em algum momento da vida. 

Mas eu respiro fundo. 

Respondo, de peito aberto, com dados técnicos e olhar seguro. 

Eu penso que, ao lado desse cara, tem uma mulher, que realmente precisa da minha ajuda, tanto para operá-la com qualidade, quanto para sair desta situação de abuso (acredito que quando uma mulher é abusada, todas são também.)

Prefiro pensar que este homem trouxe esses questionamentos não por maldade, mas, sim, por ignorância. Para combatê-la, ofereço informação e, sempre que posso, falo sobre esse segundo ofício que minha profissão demanda, que chega a ser mais desgastante do que as horas de pé no centro cirúrgico.

Mesmo sabendo que não sou a única que passa por situações assim dentro da medicina, nunca vi outra mulher médica falando abertamente sobre esse problema.

Parece que é um assunto velado, e que se você se dispõe a debatê-lo, te dizem que é impressão sua, que você entendeu errado ou que está fazendo uma avaliação enviesada da situação. Mais do que isso, você passa a ser taxada como “aquela que reclama”. 

Nunca fui de me contentar com que os outros dizem que é o correto, ou que me mandam fazer. Então, me vesti de coragem e, nos últimos meses, comecei a falar sobre situações como essas do meu dia a dia. 

Dentro da Medicina (e em diversas outras profissões, especialmente associadas a cargos de liderança), nós, mulheres, mesmo tendo capacidade, anos de estudo, e competência técnica, nos sentimos incapazes de cuidar das nossas pacientes.

Nos sentimos impostoras, mesmo sendo mais capacitadas e tendo os mesmos resultados cirúrgicos que o gênero oposto, às vezes até melhores. Mais tarde descobri que essa sensação de eterna insuficiência tem nome: Síndrome da Impostora. 

Quando olhamos para fatores como mortalidade, complicações cirúrgicas e tempo de internação hospitalar, já existem estudos que comprovam a excelência feminina quando o assunto é cirurgia. Mas na vida real, ainda preciso reafirmar continuamente que vou fazer aquela cirurgia, que não preciso de um colega homem para me auxiliar. 

Para que não digam que essa lacuna não passa de uma “percepção sutil da minha própria cabeça”, como já ouvi algumas vezes de colegas médicos, trago dados científicos que comprovam a discrepância.

Ser uma cirurgiã mulher é:

  • Ter menos oportunidade de participar de cirurgias durante a residência médica;
  • Ser minoria em áreas cirúrgicas (cerca de 35% dos médicos cirurgiões são do sexo feminino), ainda que o número de mulheres tenha crescido na área nos últimos anos;
  • Receber menos encaminhamentos de pacientes com indicação de cirurgia dos seus colegas médicos, especialmente se o colega for do sexo masculino;
  • Ganhar menos pelas cirurgias realizadas, mesmo com o grau de capacitação técnica semelhante aos homens;
  • Ter menos chances de ocupar cargos de liderança no centro cirúrgico quando comparadas aos homens. 

A lacuna de autoridade entre homens e mulheres é real, existe, e também permeia as interações das mulheres com outras mulheres, não apenas na Medicina. É o resultado do condicionamento cultural ao qual somos expostas, desde cedo, a associar poder e segurança apenas a uma figura masculina. Está enraizada no nosso subconsciente. 

Cabe a nós nos questionarmos sempre e aprendermos a identificar estas situações, para promovermos ações que contribuam para a construção de um mundo mais justo e igualitário para nós, para nossas amigas, mães, tias, e, principalmente, para nossas filhas. E para os homens, também.

Seguimos juntas!

Sobre a autora

Meu nome é Juliana Sperandio e sou a nova colunista do blog da Oya. Sou Ginecologista e cirurgiã ginecológica, e tenho a honra de poder escutar todos os dias as histórias de vida e de cuidar de muitas mulheres.

Minhas reflexões vêm deste lugar dual de Observadora e Protagonista: observadora que aprende e cresce com tantas histórias de luta e superação das pacientes que eu atendo. E Protagonista da minha própria história como médica e mulher, que também já foi paciente, e acima de tudo é curiosa e questionadora sobre todos os padrões que nos foram impostos e que não nos cabem mais. 

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