Como lidar com a pressão para ter filhos

Desde pequena, meus pais me incentivaram a estudar e a ser uma mulher financeiramente independente, deles e, eventualmente, de qualquer marido. Sempre levei o conselho deles muito a sério. A ideia era estudar, me formar cedo e, então, trabalhar. Trabalhar até conquistar minha independência, esse era o objetivo. Acontece que hoje, no Brasil, a realidade é que precisamos trabalhar muito para conquistar a famosa liberdade financeira.

Neste meio tempo, fiz 30 anos. Automaticamente, a chave da sociedade virou e os conselhos passaram a girar em torno do momento de ter filhos, como se nada mais importasse. “Não é bom ter filhos muito tarde” e afins foi o que passei a escutar. 

Pressão para ter filhos: uma questão cultural

Quando fazia parte da minha residência na França, colegas residentes que já tinham dois ou três filhos me perguntavam por que eu ainda não tinha os meus. Para minha grande surpresa, descobri que lá as mulheres são incentivadas a ter filhos mais jovens, inclusive durante a residência médica. Oi? 

No Brasil, na minha época, isso era considerado quase uma heresia! Mas, lá na França, eles acreditam que incentivar as mulheres a serem mães no início da carreira pode trazer uma segurança maior para o futuro, já que elas não precisam se preocupar no impacto que a maternidade poderia causar em suas carreiras quando já estivessem mais experientes, no auge profissional – ou seja, por volta dos 30, 40 anos, faixa etária que comporta cada vez mais mães no Brasil.

Ou seja, o momento de ter filhos não é apenas uma decisão individual: a cultura também é essencial para poder deixar as mulheres livres para suas escolhas. 

Eu sempre sonhei em ser mãe, fazia parte dos meus planos. No meio dessa história, descobri uma reserva ovariana baixa. Foi o gatilho que eu precisava para ter coragem. Há 1 ano e 5 meses realizei esse sonho, mas junto com a Maria, além de muita alegria, ganhei de presente muitas (muitas mesmo) responsabilidades: continuar entregando 100% no trabalho, me cuidar, cumprir meu papel de mulher na sociedade e no meu relacionamento, além, claro, a responsabilidade de ser uma boa mãe.

Dentro dessa última frase cabe um Oceano Atlântico de discussões.

Dra. Natália Ramos, líder de cuidados da Oya Care

O burnout do século

Esse conjunto de demandas – tão rotineiras na vida das brasileiras – são o combo do burnout do século. A sociedade cobra e espera muito de nós. E quando não é a sociedade, somos nós mesmas. Ter a segurança de que a maternidade não vai impactar na sua vida pessoal, na sua carreira, é fundamental para a saúde mental de uma mulher.

Claudia Goldin, que venceu o Nobel de Economia em 2023, pesquisa justamente isso: o impacto da maternidade e da economia do cuidado sobre a carreira das mulheres. Segundo Goldin, a economia do cuidado imposta às mulheres atrasa suas carreiras, já que o mercado recompensa melhor quem pode dedicar mais horas e atenção à vida profissional.

Vejo prova disso todos os dias: como especialista em fertilidade feminina, atendo mulheres com altos cargos em empresas que me dizem coisas como: “minha colega entrou comigo na empresa, aí teve filhos e agora está pelo menos 5 anos atrás de mim na carreira. No salário, então, nem se fala!”. Essa é uma realidade que desestimula quem sonha em ter filhos. 

Por outro lado, a mulher que não quer ter filhos também está sobrecarregada, sobrecarregada por comentários hostis e desagradáveis como:

  • “Quem vai cuidar de você na velhice?” 
  • “Seu marido vai buscar uma novinha pra ter filhos!”
  • “Você não sabe nada sobre isso, não é mãe”.

Diante disso, minha pergunta segue a mesma: por que a sociedade cobra tanto? Por que não podemos simplesmente respeitar a individualidade das pessoas, queiram elas ter filhos ou não? Eu não tenho as respostas, mas deixo o questionamento aqui para vocês. 

O papel do relógio biológico na pressão para ter filhos

Mas uma coisa é fato: infelizmente, nosso corpo não é capaz de acompanhar os nossos sonhos e objetivos. Ele envelhece. Biologicamente, o corpo feminino é programado para gestar entre 20-23 anos.

Claro que é possível ter filhos depois, inclusive foi o meu caso, mas nossa reserva ovariana começa a cair de forma muito importante a partir, em média, dos 35 anos. Esse movimento natural do nosso corpo faz parte da pressão que nos sobrecarrega.

Temos ferramentas para proteger nosso futuro fértil, como o planejamento preventivo e o congelamento de óvulos, mas me pergunto se o desgaste emocional que sofremos com toda essa pressão vale a pena. No futuro, desejo que todas as mulheres possam exercer os papéis que sonhamos, e não os que foram impostos a nós. 

Sobre a autora

Médica ginecologista e obstetra, a Dra. Natália Ramos é especialista em fertilidade e líder da Equipe de Cuidado da Oya. Workaholic em recuperação e mãe da Maria. Graduação em Medicina pela Universidade Nove de Julho, com residência médica em Ginecologia e Obstetrícia pelo Hospital Pérola Byington. Especialização em Reprodução Humana pelo Hospital Foch (França).

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